A estranha capa de In The Aeroplane Over The Sea
Juro que já faz um tempão que estou tentando publicar um post sobre este álbum aqui no blog, mas achava que precisava das palavras certas para descrever algo tão profundo, denso e emocional como In The Aeroplane Over The Sea.
Lançado em 1998 pela Merge Records, este é o segundo e último trabalho do Neutral Milk Hotel. Incrível é descobrir como, em tão pouco tempo, uma banda de rock decidiu acalmar os ânimos para lançar um álbum tão denso e lírico. A resposta está no diário de Anne Frank, a garota judia que vivenciou na pele o terrível período do Holocausto na Alemanha nazista.
A obra de Anne deixou o vocalista Jeff Mangum tão imerso, que ele sentiu necessidade de transpor essa reclusão afetivo-imaginária em um álbum. E o resultado: o melhor disco de toda a década de 1990, pelo menos na humilde opinião do autor dessas linhas. Esqueça Nevermind, Ok Computer, Loveless, Ten e outros que seriam indispensáveis em qualquer lista de melhores noventistas.
Não há nada de moderno em In The Aeroplane Over The Sea, muito menos algo arcaico. O Neutral Milk Hotel faz uma releitura do folk/country com canções de peso em suas composições, que perturbam e emocionam os ouvintes ao mesmo tempo. Não dá para ficar impassível diante de um trabalho desses.
Neutral Milk Hotel: “Two-Headed Boy”
Afinal, o que você acharia de uma faixa com o título “Two-Headed Boy” falando sobre uma criança mutante “criando um tocador de rádio apenas para eles” ou “capturando sinais que soam no escuro”. Com a referência literária fica simples definir: Mangum explora o lúdico que se perdeu em cada um de nós em uma era repleta de exageros e diluição cultural, algo que se refletiu no grunge, no indie que começava a surgir e na música eletrônica.
Em “Holland 1945”, Mangum é mais direto ao afirmar que a “única mulher que já amou nasceu com rosas nos olhos, mas foi enterrada viva em uma tarde de 1945”. Aquele mórbido ambiente que pairava na mente do vocalista é recriado com uma linda sinfonia de metais, como trombone de vara e trumpete, criando uma marcha fúnebre tardia, algo que ele se sentiu no dever de realizar. Seria a forma dele agradecer a enorme influência que recebera de Anne?
Neutral Milk Hotel: “Holland 1945″
Por mais que seja autoral, o álbum não é biográfico. Está mais para um disparo criativo de uma mente infantil na pele de um cara maduro e inteligente como Mangum. “Oh Comely”, por exemplo, é uma canção sussurrada de quase dez minutos que roga pela presença física de Anne. O que diabos deu na cabeça dele, ninguém sabe bem ao certo. Mas que a canção é linda de doer, isso é praticamente um axioma.
Se eu começar a divagar demais sobre In The Aeroplane Over The Sea, vou acabar cansando você, caro leitor. Prefiro poupar umas boas linhas. Ainda quero escrever uma tese sobre o impacto emocional dessa obra-prima do Neutral Milk Hotel. Mas antes, uma breve sugestão: se for aventurar-se nessa catarse sonora, não deixe de ouvir “Ghost” e todas as partes de “King of Carrot Flowers”.
Até peço desculpas pelo tom demasiado saudosista. É que sinto-me uma criança quando falo ou escuto este álbum.
Neutral Milk Hotel: “Ghost”