Se você não lê nada em inglês e gostaria de saber o que falam sobre discos internacionais nas publicações lá de fora, venho com uma boa notícia: os blogs brasileiros se tornaram excelentes porta-vozes das opiniões de um Pitchfork ou NME. Quando não é um que faz o exercício de apropriar-se safadamente dos argumentos dos gringos, é outro que adivinha com precisão a nota picada de um dos sites.

Existe uma lógica assombrosa por trás disso: na internet, um proprietário de blog quer visualizações – quanto mais delas, mais leitores vão ler, compartilhar, opinar etc.

Nesse ambiente, o leitor é urgente: caiu na rede um disco do Daft Punk, já querem saber na hora o que acharam.

Se é um exercício de preguiça ou curiosidade do leitor, prefiro não julgar: afinal, ele não tem o dever de saber a importância tempo-espaço do que acabou de ser lançado. Ele quer que outros o façam.

E o problema está bem aí: naqueles que querem fomentar os leitores.

Essa pressão de escrever logo sobre o disco que acabou de sair tem lá seus pontos positivos: seu texto será indexado mais rapidamente aos robôs do Google e a possibilidade de um leitor que quer saber mais sobre o álbum chegar à sua resenha aumenta.

Não bastasse o fator audiência, há mais um problema a se atropelar no meio do caminho: várias bandas legais (ou não) lançam vários discos legais (ou não) em um curto prazo de tempo

Soa portentoso para o proprietário abrir a página da postagem e ver que 596.897 pessoas curtiram no Facebook, 9.771 retweetaram e mais de 100 comentaram. Ali você diz: valeu a pena ter feito isso.

Valeu mesmo?

Minha verdadeira intriga em relação a isso é: faltam originalidade e argúcia na hora de escrever sobre discos.

Essa discussão começou em um tópico na comunidade da Sinewave no Facebook sobre a resenha do Pitchfork para o novo disco do Vampire Weekend: Modern Vampires of the City. A ideia inicial era questionar se a qualidade dele realmente justificava a avaliação superlativa do site (9.3/10). E aí, nesses mais de 100 comentários, postaram resenhas pouco criativas de blogs brasileiros. A maioria deles veio com argumentos similares àquele do Pitchfork.

E teve início outra discussão: por que o Pitchfork é tão influente?

Bom, isso já foi debatido, principalmente quando o site de Chicago (EUA) começou as atividades no começo dos anos 2000. O resumo da obra é: os editores apostaram no improvável e abrangeram a cobertura musical, dando mais importância para o fator inovação do cenário underground e sentando o pau naquilo que outrora era considerado ‘clássico’, ‘intocável’.

Muitos blogs brasileiros estão tentando seguir essa linha. Seria admirável e teria total respaldo se, nessa fórmula para abocanhar leitores, houvesse maior senso crítico.

Então, qual a medida que adotam? Baixam o disco assim que vazam, ouvem uma ou duas vezes e, para garantir o status de ‘furo’, postam longas resenhas como se houvesse tempo o suficiente para absorver todas as melodias, composições e referências de uma talagada só.

Claro, pode-se ouvir um disco três vezes na sequência. Ok. E a pausa para assimilar todas as informações? E se o redator está de mau humor e resolve achincalhar tudo? Como perceber que um disco é uma maravilha, um clássico, com poucas audições sequenciais?

Esse exercício hercúleo deve gerar indagações aos próprios donos destes blogs: ‘como consigo?’

Todos os argumentos são construídos a partir de uma pressão estabelecida pelo próprio blogueiro. Tudo acontece rápido, e ele também precisa ser rápido. Não bastasse o fator audiência, há mais um problema a se atropelar no meio do caminho: várias bandas legais (ou não) lançam vários discos legais (ou não) em um curto prazo de tempo. Se não conseguir cobrir grande parte disso, os leitores podem cobrar.

Quando criei o Na Mira do Groove há pouco mais de três anos, minha intenção era falar das músicas que gosto. Como o gosto se amplia com o passar dos dias, aumentou a necessidade de estar antenado com o que certas bandas vêm fazendo.

No entanto, nunca consegui escrever uma resenha de disco no dia exato de seu lançamento (ou, melhor, vazamento). Juro que tentei. Alguma análise ou outra parca entrou e, acredite, me orgulho de todas elas apesar de me confrontar com textos antigos e me pegar dizendo: ‘hoje não penso mais o mesmo sobre tal disco’ ou ‘esse texto está horrível’.

No momento, faço o possível para escutar o disco que quero resenhar em momentos diferentes. Escuto uma vez para assimilar melodias e justaposição lírica; vou pra segunda audição noutro momento, e logo minha opinião muda. Faço cooper com um fone de ouvido, limpo banheiro, coloco no computador enquanto jogo Paciência ou resolvo um trabalho free-lancer, ligo o cabo com um mini-system alto para ver a potência… Faço tudo isso e ainda mais com um álbum para ter o maior número de perspectivas possíveis dentro de um prazo que acho justo entre ouvir pela primeira vez e escrever sobre ele.

Por que não permitir a divagação ao invés de argumentos enfadonhos como ‘disco mais maduro’, ‘prova do segundo disco’, ‘influências de tal e tal’, ‘álbum seminal’?

Claro que isso pode ser maçante. É na teoria. Na prática, eu não escuto o mesmo disco sempre na sequência. Gosto de intercalar com outros álbuns clássicos, outros achados, outras novidades – o que também influencia na hora de escrever.

Isso demanda tempo. Dizia o grande escritor José Saramago que a melhor habilidade do mundo é dar voltas – coisa que acontece em um dia, uma hora, alguns minutos. Nessas voltas, nossa opinião passa por turbilhões, associações e reviravoltas que vão influenciar bastante na hora de escrever sobre o disco.

E é aí que volto à tentativa de querer-ser-Pitchfork: como tudo isso aconteceu se o blog está reproduzindo em outras palavras (e em português, olha só!) o que um dos sites mais influentes de música publicou? Por que não permitir a divagação ao invés de argumentos enfadonhos como ‘disco mais maduro’, ‘prova do segundo disco’, ‘influências de tal e tal’, ‘álbum seminal’?

Para tudo existe uma escolha: você pode obter um público mais amplo que vai ler aquilo tudo e achar o máximo (e olha lá se prestar atenção aos argumentos). De repente, algumas das colocações ali vão parar em uma mesa de bar. Já pensou que ótimo: ‘ele viu no meu blog que o novo disco do James Blake tem participação de Brian Eno e está mais maduro’. Claro, como se o SPIN ou a Rolling Stone não o tivessem feito antes.

Se é pra ser assim, prefiro ficar no espectro dos leitores fiéis que, quando não concordam com alguma coisa, xingam antes de me desejar um bom fim de semana. Eles são menores e certamente mais críticos, chatos e exigentes; estão lá para criticar tanto os comentários inefáveis que jogo quando divulgo uma faixa recém-lançada, quanto as resenhas que saíram mais de 10 dias depois do lançamento do disco.

É conteúdo considerado frio, sim. Ninguém associa logo de cara o filme Psicopata Americano (1998) ao novo disco do The National, estampa a safadeza artística de um Palma Violets ou encara o novo disco de Karol Conká como continuidade do que Black Alien fez com apenas algumas poucas audições.

Porque suscitar a reflexão exige pesquisa e um período de tempo maior que algumas horas. A não ser que o blogueiro tenha um repertório de John Peel com processador automático pronto para ligar todas as informações do disco o mais rápido possível. A propaganda da Intel, infelizmente, não encaixa nesse contexto.

Ter acessos e ser referência imediata como publicação musical tem lá os seus prestígios. Aposta-se no factual, em detrimento do senso crítico.

Já cansei de ler resenhas sobre discos estrangeiros na ‘blogosfera indie’ (como gosta de dizer o Lúcio Ribeiro) com termos e ideias parecidos com Pitchfork, NME, Rolling Stone. Às vezes me parece que levam as resenhas destes sites mais a sério do que o próprio disco. (Se é pra ser assim, leia as grandes publicações: pelo menos você vai exercitar o seu inglês.)

Que os tupiniquins-recorta-e-cola regozijem com os milhões de acessos no final do mês. Nesse meandro todo, fico com este axioma: a reflexão vale mais do que mil cliques.