01 Reflektor 02 We Exist 03 Flashbulb Eyes 04 Here Comes the Night Time 05 Normal Person 06 You Already Know 07 Joan of Arc 08 Here Comes the Night Time II 09 Awful Sound (Oh Eurydice) 10 It’s Never Over (Oh Orpheus) 11 Porno 12 Afterlife

13 Supersymmetry

Gravadora: Merge

O fator conceitual para o Arcade Fire inevitavelmente se torna secundário. Começou firme no fabuloso Funeral (2004), fragmentou-se um pouco no apocalíptico Neon Bible (2007) e quase se despedaçou por completo no urbano The Suburbs (2010).

Talvez a superestimação dos detalhes seja decisiva na hora de separar o que deveria ser um disco de grandes canções de um disco conceitual.

O espectro que culminou no lançamento de Reflektor foi recheado desses detalhes superlativos. Primeiro, a produção de James Murphy, que fechou com chave de ouro as portas do LCD Soundsystem.

Depois, os teasers envoltos em mistério, que nos leva à intangível discussão: será que o marketing influencia na recepção da obra? (Random Access Memories e Magna Carta… Holy Grail são outros exemplos.)

E, não menos importante, a suposta participação de David Bowie na faixa-título, algo que se confirmou com as dedicadas audições do trecho: ‘Pensei que você ia me trazer o ressuscitado’.

Ressurreição: então o Arcade Fire decidiu seguir uma linha Neon Bible? Não.

A escolha do filme Orfeu Negro como lyric video da antecipada “Afterlife” é mais oportuna do que se imagina, já que o filme brasileiro adaptado da obra Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, insere a crônica da mitologia grega nas favelas brasileiras.

Em Reflektor, o Arcade Fire usa como tema a história de Orfeu que, apaixonado por Eurídice, vai até o outro mundo (o Floga-se explica muito bem esse conceito).

Para sonorizar as emoções intensas, a produção de Murphy é mais que bem-vinda. Temos o eletrônico-percussivo em sintetizadores pop, guitarras distanciadas (“Here Comes the Right Time”) e uma injeção de ousadia que surpreende mesmo quem está acostumado com uma banda que sabe valorizar instrumentos como acordeom, xilofones e fagotes dentro da estrutura vocal/baixo/guitarra/bateria.

Nesse sentido, a maior das surpresas estéticas reside na terceira canção, “Flashbulb Eyes”, um dub da esfera Colonel Elliott que questiona a realidade cada vez mais infestada de Instagram: ‘E se a câmera/Realmente/Levar a sua alma?’. (Nos primórdios da fotografia havia a crença de que a imagem usurpava a alma do fotografado. Se pensarmos que uns e outros se dedicam compulsoriamente a compartilhar seus momentos íntimos por meio da imagem, a associação feita pelo Arcade Fire não é mera viageira, como a sonoridade da canção dá a entender.)

Os conceitos propostos pelo Arcade Fire se fragmentam a um estilo que já lhe é característico

Sobre a questão comportamental, intrínseco nas composições da banda desde Funeral, “Normal Person” é implacável. Win Butler associa o normal com ‘estranho’ e ‘cruel’. O normal envolve moralidade, estima e status. Vale dizer que esses temas já são recorrentes no espectro indie desde a segunda metade dos anos 2000. Assim, “Normal Person” atrai mais pela fixação de hit que pela complexidade e escorrega no lugar-comum de que, de braços dados, tudo pode dar certo – como canta Regine Chassagne.

Ainda que o Arcade Fire tenha flertado com novas descobertas, a preocupação da banda mantém-se firme: eles querem te oferecer uma percepção do mundo. Uma percepção que te aguce a sensibilidade, algo que os canadenses entregam de bandeja em “We Exist”. Eles (os normais?) agem como se ‘não existíssemos’. E a reação: ‘Perderia meu coração/Se me afastasse de você’. Butler usa conotação religiosa nessa busca do sentimento de pertencer socialmente e isso soa tão enfadonho e demagogo como qualquer composição pretensiosa de Bono Vox.

A velocidade dos acontecimentos descrita em “You Already Know” conecta-se diretamente à proposta de The Suburbs. Com elementos do rockabilly e uma bateria empolgante, a banda alterna efeitos lentos e rápidos num refrão insistente, todo citadino.

Os conceitos propostos pelo Arcade Fire se fragmentam a um estilo que já lhe é característico. Por mais que a produção e os caminhos sonoros sejam mais inovadores e arriscados, as composições da banda não se afastam do que já foi feito em The Suburbs ou Neon Bible.

Portanto, a entrada de “Awful Sound (Oh Eurydice)” na nona faixa pode soar um tanto confuso quando se encara Reflektor como um disco conceitual. Isso pode ser proposital.

O nome Eurídice em parênteses é justificável: o cenário (inferno) se assemelha aos barulhos da cidade. O Orfeu é representado por um singelo rapaz que quer fugir com seu primeiro amor, Eurídice, que responde em “It’s Never Over (Oh Orpheus)” para que ele não olhe para trás, a exemplo da Mitologia. ‘E quando você envelhecer/Vai descobrir/Que isso nunca vai acabar’.

O fato de ter mais de uma hora de duração pode dar a Reflektor a alcunha de ‘longo’. É um termo injusto, principalmente porque a diversidade estética das canções balanceia reflexões, sentimentos e apreensões sem que se fixe numa atmosfera única.

Noutras palavras, a produção de Murphy é eficaz em dar batimento cardíaco ao disco: há respirações, há convulsões e há pausas. Nesse aspecto, Reflektor nos revela um Arcade Fire mais maduro e experimental que nos três discos anteriores.

Ainda assim, a tônica indie do Arcade Fire não foi usurpada. Reflektor mostrou que a banda permanece assertiva em sua procura pela sensibilidade num mundo cada vez mais apegado ao material. Como atingir tais sensações foi o maior dilema do disco.

‘Quando o amor se acaba/Para onde ele vai?’, questiona Win em “Afterlife”. Se a ousadia sonora do disco tem um significado grandioso, quiçá o sentimento se espalhe em moléculas num espaço infinito de possibilidades.

Melhores Faixas: “Flashbulb Eyes”, “Here Comes the Night Time”, “Porno”, “Afterlife”.